PATO X BELTRÃO - Recortes do conflito regional, um olhar antropológico no futsal paranaense.

PATO BRANCO - 09/04/09 - 08:04

Olá Camaradas princesinos...
Depois de meses, volto a postar em correspondência de Pato Branco (daí?!) me dirijo aos estudantes de história pontagrossenses.

Aos historiadores ''moderninhos'', vaí aí uma pitada de realidade social relatada a partir de uma de folga na cidade natal, que não me permitiu o ócio nem num ginásio de futsal. No percalço de escrever a monografia, tirei um meio tempo (time off) para assistir o maior clássico do futsal paranaense. Foi ontém que se enfrentaram dois espectros do futsal sudoestino: PATO BRANCO x FRANCISCO BELTRÃO (O texto não possui uma análise técnica do jogo, mas é um relato da memória social por parte do historiador que procura discutir a identidade regional a partir das rivalidades criadas entre duas cidades do interior do Paraná.)


O espetáculo das massas armado no ginásio LAVARDÃO, antigo PATÃO, era marcado de início pela torcida organizada local: a CAMISA 6, denotada de emblemas que denotavam a símbolos locais - como o ''pato'' - e outros que identificavam-na com torcidas da capital como OS FANÁTICOS (ATLÉTICO) e a IMPÉRIO ALVIVERDE (CORITIBA). Uma manobra marcada por imagens da circularidade cultural no estado, colocava a fauna local frente a frente, a chamada ''marrecada'' beltronense saia em desvantagem por seu time jogar fora de casa.

Ao som de foguetes e rojões, os coros e palavras de ordem, que radialistas locais no dia seguinte identificavam como
''de baixo calão e impublicáveis'', muito me rememoravam ao discurso das torcidas organizadas curitibanas em finais de semana. O incremento do espetáculo era denotado não só por uma rivalidade futebolística, mas também a disputas que para o intelectual podem parecer sem sentido mas que são alimentadas por discursos como ''BELTRÃO NÃO TEM VIADUTO'' ou ''PATO BRANCO TEM MENOR POPULAÇÃO''.

Essa rincha antiga se precede pelo fato de as duas cidades serem as maiores da região, sendo que a disputa se ocasiona em descobrir qual das duas cidades é a CAPITAL DO SUDOESTE PARANAENSE. O espetáculo excede então as quatro linhas da quadra e insere também a identidade local num conjunto de debates iniciados desde a conhecida Revolta dos Posseiros de 1957 ou pela questão do Estado do Iguaçu.

As classes sociais se igualavam no olhar ao público, trabalhadoras e trabalhadores, donas de casa, meninos de rua, skatistas, boleiros, crianças, empresários e até o prefeito municipal eram assíduos ao primeiro toque da bola.

O amendoim era aperitivo e a cerveja era popularizada nas arquibancadas do ginásio. Já de início, a rivalidade é transferida a uma arena de 20 x 40. A habilidade dos jogadores em alguns momentos era incentivada por disputas anteriores econômicas e políticas e parecia que em alguns momentos para alguns jogadores o toques de bola eram o ingrediente para provar se PATO BRANCO OU FRANCISCO BELTRÃO era capital do sudoeste paranaense.

Como não possuo linguagem técnica referida ao futebol, preferi não me prender ao jogo, por ser mero coadjuvante ou observador do cotidiano. Mas ao ambiente de relações sociais que se tramava naquele momento, as relações de poder também se colocavam a prova, os atores sociais se desmascaram e o policiamento do ginásio ficava atento ao encontro das duas torcidas locais. Ééééé, além da camisa 6, a Fúria Beltronense, conhecida por ''marrecada'', se fazia presente no ginásio.

Em número desfavorecido era acanhada de início em expor sua bandeira tricolor num dos ambientes do ginásio que se cobria do manto rubro-negro da torcida da casa. Mas a torcida havia de aparecer, já que o grito que ecoava antes e durante o jogo: ''CADÊ FURIAAAA, CADÊ FURIAAAA'', na verdade,parecia uma convocatória a rivalidade local.

Dois lances do enredo marcam os sentidos dados ao quadro daquela noite. Em pênalti para o time da casa, aquela bola só podia ter entrado, mas não entrou, o que provocou o impacto aos olhares da população patobranquense e a colocou mais surpresa a um lance porterior.

Num bate-rebate, o ginásio incrédulo assistia o respingar da bola para dentro da linha do gol e o emblema do placar foi urgido pela comemoração provocativa do Camisa 4 beltronense. Isso ainda meio ao primeiro tempo que aguardava mais emoções ao espetáculo do salão.

O juiz sempre era identificado a personagens alusivos, ou era ''ladrão'', ou sua mãe era uma figura promíscua, poligâmica e sem pudor. Isso na representação do discurso da torcida, em gritos que partiam de ambas as torcidas.

A carnavalização e o semblante dessas representações era comprometida aos fatos sociais que eles mesmos criavam, já que num momento de desfavorecimento emocional por tomar um gol a torcida pode sim identificar o árbtiro e sua mãe como quiser, já que a única forma de entrar no jogo é no grito. Uma parte dos ocupantes da arquibancada são o ginásio tentando exibir a democracia do xingamento.

O empate logo vinha com uma bola cravada no fundo das redes. A festa estava armada e o Pato parecia merecer o jogo que até o fim foi marcado por lances de quase gol. Nesse momento se assume Maranhão, com sua habilidade ele é idenficado como ''Liso de bola''.

Entretanto, foi num lance de conflito que a casualidade da bicicleta de um Marreco que este acerta incoscientemento a cabeça do goleiro patobranquense, esse último teve de ser retirado de campo por maca, sendo substituído pelo goleiro reserva que mal sabia de seu destino...

Em dois lances sem finalização nos últimos 30 segundos de jogo marcaram a posse de bola do goleiro beltronense Héder - um fantasma que abandonou o Pato Futsal anos antes, afim de procurar melhores oportunidades no futsal foi para o Beltrão Futsal. Seu olhar atento pareceu fulgaz, o goleiro adversário estava adiantado e um balão para o outro lado da quadra foi definitivo para selar um clássico com a vitória do time visitante.

É, e a bola ainda quicou antes de entrar num barulho que se aparentava ensurdessedor e que zombe até agora na torcida local e nas costas do goleiro patobranquense que acabava de entrar. Evento histórico mas que para muitos ali deveria ser apagado, a torcida calada sai do ginásio, só se ouvia alguns resmungos, enquanto que uma meia dúzia de beltronenses da Fúria tiveram de sair de fininho, no mínimo, ressabiados com o que poderia acontercer - e sem poder comemorar.

Pra mim, o resultado pouco importa, clásisco é clássico, jogo é jogo, etc, etc, etc, e nada explica a casualidade da História, nem de um jogo de futebol... O que me importou analisar foi a rivalidade criada a partir da identidade regional.

Entretanto, são eventos como esse que produzem coisas mais interessantes e que não podem reduzir a identidade da cidade a grandes nomes de bons jogadores que nasceram e jogaram aqui, como é o caso de figuras como Rogério Ceni e Alexandre Pato.

Se essa a cultura é moldada por enredos como um jogo de futebol que até coloca em campo disputas políticas entre duas cidades por referência na região, então Bakhtin e Foucault perderam o espetáculo de ontém. Espiando as relações até pela antropologia social, cabe aos historiadores continuar essa tradição...

Roberto Pocai é historiador, formando pelo curso de História - Bacharelado da UEPG. Já foi Coordenador Geral do CAHIS e hoje é mero espectador das relações sociais.

2 comentários:

"nAno" disse...

cara muito legal isso ae q tu escreveu, entretanto foi mais um relato literário antropológico do que discussão de identidade......



mas muito bom esse texto, temos q fazer um do operário em breve....hahahaha

Roberto Pocai disse...

ahh é o que a pós-modernidade nos permite... separar metodologia da teoria (testemunha ocular/identidade cultural).
Até porque acredito que os signos que se desmascaram no cotidiano afirmam, mesmo que inconscientemente, uma identidade. Mas minha discussão é primária e não vou ser o último a tratar do assunto.

Temos de postar mais dessas (Operário FC, COCB, Bares, submundo de PG, freiras lésbicas... >>> todas as nossas linhas de pesquisa)